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“A memória começa onde se nasceu”

“A memória começa onde se nasceu”

"A memória começa onde se nasceu", é uma bela senteça de autoria da imortal Nélida Piñon (1937-2022), trata-se de uma afirmação que ressoa com a importância de dar vida às histórias e legados que podem, de outra forma, ser esquecidos. Este adágio é particularmente relevante quando aplicado à vida e à obra de José Campomizzi Filho, um procurador de Justiça que deixou sua marca não apenas nas cortes de justiça, mas também na sociedade que ele serviu por meio de escritos, aulas e palestras.


A cada pesquisa conduzida por Campomizzi, algo renasceu do ostracismo. Cada documento descoberto, cada testemunho coletado, cada análise realizada não é apenas uma adição ao corpo do conhecimento existente; é um renascimento. É a comprovação de que a memória e o legado de uma pessoa não estão confinados ao período em que viveram, mas continuam a florescer e a influenciar gerações futuras cada vez que são revisitados.


Como Nélida Piñon sugere, o ato de lembrar é um ato de nascimento. Assim como Campomizzi nasceu em um lugar e tempo específicos, a memória dele também tem seus próprios lugares e tempos de nascimento: nas bibliotecas onde seus documentos são preservados, nas salas de aula onde ideias são debatidas e, mais importante, nas mentes das pessoas que se dedicam a conhecer a história. Cada nova pesquisa é um novo "nascer", trazendo-o de volta à vida em uma forma nova e relevante.


Nesta exposição, você encontrará diversas produções memorialísticas que ilustram esse conceito. Os trabalhos aqui presentes não são apenas são um testemunho da vitalidade perpétua da memória e da importância de nutri-la constantemente através do estudo e do engajamento.


Moises Mota da Silva

Curador da Exposição

moises@ihgmg.org

O Memorialista

O "Mensário do Arquivo Nacional" foi um boletim de comunicação lançado em 1970 pelo Arquivo Nacional do Brasil. A publicação tinha como objetivo divulgar as atividades e o acervo do órgão. O boletim foi publicado até 1982 e posteriormente substituído pela Revista Acervo em 1986, que buscava modernizar a divulgação das atividades e acervo do Arquivo Nacional.


Na edição nº 5, de 1970, foi publicado o artigo O Barão de Ubá que oferece uma visão histórica e arquitetônica do edifício que abriga o Arquivo Nacional no Rio de Janeiro. Ele nos informa sobre a trajetória do palácio, desde sua construção pelo Comendador João Rodrigues Pereira de Almeida, mais tarde conhecido como Barão de Ubá, até sua desapropriação pelo Rei Dom João VI em 1818.

O Barão de Ubá


Campomizzi Filho


O velho palácio da praça da república, no Rio de Janeiro, onde se abriga hoje o Arquivo Nacional, que ali se estabeleceu em novecentos e sete, foi construído pelo comendador João Rodrigues Pereira de Almeida, depois agraciado com o título de Barão de Ubá. Sua fachada em estilo dórico-romano chama a atenção as linhas simpáticas dando uma nota de beleza ao conjunto que, através dos tempos, sofreu com as seguidas reformas adaptando o edifício para as diferentes finalidades que lhe determinava o poder público. E que se ergueu nos primeiros anos do século dezenove e logo em oitocentos e dezoito foi desapropriado pelo rei Dom João VI que o ocupou com um museu real que reuniu peças espalhadas por diferentes pontos da cidade. Dele nos fala, em trabalho publicado no suplemento dominical do “Jornal do Comércio” de vinte e dois de fevereiro mestre Raul Lima. Evoca-lhe as glórias, que serviu as inúmeras repartições que ali estiveram através das décadas. Das divisões interiores pouco resta. Mas ficou o prédio vasto, solene, ligado a uma arquitetura que se valoriza com os tempos. A larga madeira do assoalho, as escadas amplas, o forro trabalhado, tudo isso lembra um passado de fausto e de grandeza. Ali surgiu o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Foi Sede da benemérita Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional. Papeis preciosos de espalham pelas suas salas, num patrimônio que guarda a mais importante fonte documentária de nossa história. O passado deste pais, mas suas glórias e nas suas conquistas, no esforço das gerações e no brilho dos séculos, alicerça-se no testemunho de autos e de códices nem sempre ainda bem estudados e algumas vezes a exigirem interpretação mas feliz.


O nobre que plantou aquelas paredes vetustas nada tem a ver com a cidade da mata mineira. Quando o comendador João Rodrigues de Almeida recebeu o título honorífico, o então arraial de São Januário dava os seus primeiros passos. Spix e Martius falam das terras e fazem referência a importância dessa figura destacada do primeiro reinado. E quando esses naturalistas andaram pelas florestas do leste, chegando ao Presídio de São João Batista e atingindo a fazenda do Guidoval, onde Marliére aquartelara seu regimento, o importante centro de hoje não passava de modesta capela esquecida à margem do ribeirão. O povoado que serviu para o baronato de João Rodrigues Pereira de Almeida é o distrito de São José de Ubá, integrado na comarca de Itaperuna, no Estado do Rio de Janeiro. Zona cafeeira, distinguiu-se o burgo fluminense pelas grandes fazendas que se distribuíram nas suas fronteiras. Tanto assim que ao inaugurar-se a ferrovia em terras do município de Ubá, em oitocentos e oitenta e um, sua estação se denominou Ubaense, mantendo-se com esse topônimo por largo tempo. Ainda agora, quando caem as grandes chaves, é possível perceber-se o antigo letreiro, depois substituído. Ubá foram também Acaiaca, que se chamou São Gonçalo do Ubá, e Astolfo Dutra outrora Porto Alegre do Ubá.


A sede do Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, pertenceu, antes de oitocentos e dezoito ao nobre que recebeu o título de Barão de Ubá. Uma rua da antiga capital, na freguesia do Espírito Santo do Estácio, homenageia esse homem que teve participação efetiva na vida brasileira do primeiro reinado. Mas nada tem ele a ver com a idade de Ubá, surgida depois e só mais tarde se imponto pelo brilho de sua civilização e pelo descortínio de seu desenvolvimento.


(Artigo de Campomizzi Filho, publicado no “O Diário de Belo Horizonte”, de 5/3/1970)

O artigo "Centenário de João Pinheiro" é um testemunho valoroso sobre o impacto e a influência do governador João Pinheiro na história política e social do Brasil, particularmente em Minas Gerais. Campomizzi apresenta o fundador do IHGMG como um homem dedicado aos ideais republicanos, alguém que não apenas aderiu a um conjunto de princípios políticos mas também trabalhou ativamente para sua implementação e consolidação.


Além disso, Campomizzi ressalta que a memória e o legado de Pinheiro foram não apenas reconhecidos, mas também celebrados de forma abrangente, desde discursos e homenagens até publicações acadêmicas.


Uma observação particularmente interessante é a menção ao papel de Copérnico Pinto Coelho, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais na época, que assumiu a tarefa de reunir e publicar obras que imortalizaram o legado de João Pinheiro.


Campomizzi Filho conclui o texto dando a entender que a homenagem feita a Pinheiro é merecida não apenas por suas realizações, mas pelo exemplo que ele ofereceu em termos de comprometimento, visão e liderança. É um lembrete poderoso do impacto duradouro que um único indivíduo pode ter quando age de acordo com princípios e uma visão de bem comum.


Para ler o artigo na íntegra clique na capa da revista.

O artigo “Constantino José, Sertanista” de Campomizzi Filho oferece uma exploração minuciosa e sofisticada da vida e obra de Constantino José Pinto, uma personalidade marcante no cenário histórico de Minas Gerais. Escrito com rigor acadêmico, o texto destaca Constantino não apenas como um pioneiro na colonização e desenvolvimento de áreas inexploradas da mata mineira, mas também como um diplomata natural em suas interações com as comunidades indígenas locais, particularmente os índios Puris.


Uma das forças mais salientes do artigo é sua habilidade em humanizar Constantino, destacando sua ética e seu esforço em proteger os direitos indígenas. Essa abordagem oferece uma perspectiva equilibrada e nuanceada do período colonial, que frequentemente é retratado em termos de exploração e opressão por parte dos colonizadores. Em vez de se limitar a essas narrativas unidimensionais, o texto revela um protagonista capaz de empatia e justiça social.


O artigo não se limita ao Constantino sertanista; ele também traz à luz sua faceta administrativa e política. Detalhes sobre sua participação em decisões legislativas enriquecem a complexidade de sua persona, indicando que sua importância transcendeu a mera exploração geográfica e atingiu níveis políticos e administrativos.


Em resumo, o texto se destaca como um recurso acadêmico indispensável para quem busca compreender a rica tapeçaria histórica de Minas Gerais e do Brasil. Ele oferece um retrato multidimensional de Constantino José Pinto, ressaltando seu impacto significativo na história regional, desde relações indígenas até desenvolvimentos políticos e administrativos.


Para ler o artigo na íntegra clique na capa da revista.

Em “Uma Expressão de Cultura” o jornalista Campomizzi Filho apresenta uma análise e apreciação da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, edição de 1961. Ele destaca a contribuição significativa do periódico e do próprio Instituto para o entendimento e valorização da cultura, história e geografia de Minas Gerais e do Brasil. Há uma admiração clara pelas iniciativas do Instituto em manter viva a memória coletiva, seja através da celebração de figuras históricas, como João Pinheiro da Silva, ou pelo incentivo à pesquisa e à documentação de aspectos culturais e históricos.


A crítica também aponta para o problema do financiamento e da circulação limitada da revista, argumentando que uma publicação de tal importância deveria ter mais apoio público e frequência de lançamento. O texto observa como, em contraste com a rica contribuição do Instituto, muitos documentos e artefatos históricos estão sendo perdidos ou negligenciados em outros contextos. Essa observação serve como um lembrete do papel vital que instituições como o IHGMG desempenham na preservação do patrimônio cultural e histórico de uma nação.


O artigo apresenta uma combinação de admiração e uma espécie de lamento cívico; ele aplaude os esforços do Instituto enquanto lamenta que as realizações da instituição não recebam a atenção e o apoio que merecem. A mensagem subjacente é clara: a preservação da história e da cultura é um empreendimento digno que merece tanto apoio institucional quanto popular.


Para ler o artigo na íntegra clique na capa da revista.

Esta separata do jornal "Folha do Povo" é fruto de uma palestra proferida por Campomizzi Filho em Visconde do Rio Branco em 22 de abril de 19959. Trata-se de uma análise abrangente e aprofundada da história, do desenvolvimento agrícola e das transformações sociais e culturais nas comarcas de Senador Firmino, Ubá e Visconde do Rio Branco, todas situadas em Minas Gerais. O texto é notável por sua habilidade em entrelaçar elementos históricos e sociais, valorizando tanto as raízes indígenas quanto as contribuições significativas de colonizadores e pioneiros.


Um dos aspectos mais destacados é a forte interconexão entre as comarcas, demonstrando que as barreiras geográficas nunca obstaculizaram o diálogo e a cooperação entre os diversos grupos humanos da região. A implantação de estradas modernas e outros meios de comunicação são descritos como um progresso decorrente do esforço colaborativo das comunidades locais.


O papel dos pioneiros e historiadores na preservação e interpretação da história da região é outra faceta importante discutida no texto. A pesquisa acadêmica e a documentação histórica são apontadas como ferramentas cruciais para esclarecer o passado e contextualizar o presente da área. Figuras como Francisco Pires de Farinho e José Luiz Borges Pinto são exaltadas por suas contribuições à pacificação e à colonização.


O texto também enfatiza o papel unificador e civilizador da religião. A construção de templos e a atuação de missões são vistas como catalisadores para a educação e a integração da população indígena. Além disso, o documento situa a expansão da região dentro do cenário mais amplo da missão civilizadora portuguesa, que tinha como um de seus principais objetivos a disseminação da fé católica.


Do ponto de vista político e de representação social, há a observação de que os eleitores das diferentes comarcas sempre mostraram um alto grau de consenso, reforçando a ideia de uma identidade cultural compartilhada e um destino coletivo.


Em resumo, é uma fonte rica e detalhada sobre o desenvolvimento histórico e social desta região específica de Minas Gerais. Ele realça a interação sinérgica entre diversos grupos e forças para criar uma comunidade coesa e progressista. Portanto, é uma leitura indispensável para quem se interessa por história regional brasileira, estudos sociais e desenvolvimento comunitário.


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Este opúsculo é fruto de uma palestra proferida por Campomizzi no Rotary Club de Ubá em 28 de agosto de 1959. Trata-se de uma homenagem póstuma por ocasião do centenário de nascimento do Dr. José Januário Carneiro, uma figura influente nos campos da educação e jornalismo em Ubá. Ele é apresentado como um homem dotado de ótimos valores, altruísta, visionário, cujos princípios ressoam às gerações futuras.


Um dos aspectos mais interessantes é a menção à sua visão inovadora para a educação e sistemas sociais, incluindo o sistema penitenciário e de saúde. Dr. José Januário Carneiro advogava por um contato mais íntimo com a natureza, uma ideia que, décadas depois, é respaldada por estudos e pesquisas. Sua insistência em localizar escolas e hospitais longe dos centros urbanos para oferecer um ambiente mais natural parece ter sido à frente de seu tempo.


O tributo também destaca o papel de Dr. Januário como educador e mentor, um homem que não apenas deixou um impacto significativo na vida de seus alunos mas que também se esforçou para melhorar a comunidade em geral. O fato de que suas ideias ainda são celebradas e estudadas sugere que seu legado continua vivo, um testemunho duradouro à sua influência e ao seu caráter.


Além disso, o texto também sugere que, apesar de ter nascido em Ponte Nova, Dr. José Januário Carneiro é uma figura intrinsecamente ligada à cidade de Uba, não apenas por seus próprios méritos, mas também através dos laços históricos e contribuições de sua família à comunidade.


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Este trabalho é resultado de palestra pronunciada na Associação Comercial de Ubá em 10 de julho de 1960. Sua produção fornece uma visão abrangente e altamente laudatória da exploração marítima portuguesa, concentrando-se em figuras históricas como o Infante Dom Henrique e poetas como Luís de Camões. Campomizzi celebra as conquistas marítimas de Portugal como uma manifestação da coragem, inventividade e fé do povo português, ressaltando a transformação da nação de uma sociedade agrícola para uma potência marítima e colonial.


A celebração do "idealismo" e da "expansão" portuguesa parece refletir uma visão tradicional que prioriza os feitos dos descobridores e colonizadores, em detrimento do impacto de tais explorações nas populações indígenas e nas terras colonizadas. Isso pode ser visto como um exemplo de narrativa "triumfalista" que exalta a expansão europeia sem abordar suas consequências complexas e, muitas vezes, devastadoras para outras culturas.


O texto também inclui uma nota sobre como o legado das explorações e descobrimentos marítimos continuou a influenciar a identidade cultural e nacional de Portugal e dos países de língua portuguesa.


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Carlos Peixoto Filho, um político brasileiro, foi retratado com profundidade por Campomizzi Filho neste opúsculo. Sua pesquisa pronunciada no Rotary Club de Leopoldina em 4 de novembro de 1959 demonstra que ele foi uma figura complexa, descrita por alguns como autoritária e por outros como um líder considerado e consultivo. Isso destaca as complexidades e ambiguidades inerentes ao exercício do poder político, especialmente em um cenário dinâmico como o brasileiro.


O fato de Carlos Peixoto Filho ser tão envolvente nos debates parlamentares a ponto de silenciar o plenário indica seu talento retórico e influência política. No entanto, sua reputação é marcada por contradições. Por um lado, ele é visto como um estadista e, por outro, como uma figura quase ditatorial, lembrando a tensão constante entre autoridade e participação democrática.


O seu papel na imprensa, dirigindo o jornal "Gazeta de Ubá", sugere que ele era não apenas um político, mas também um intelectual engajado em discussões mais amplas sobre o país e seu futuro. Este aspecto torna sua perda ainda mais lamentável, já que indica que ele poderia ter continuado a ser uma voz influente em vários aspectos da vida brasileira.


Além disso, o dilema moral que ele enfrentou, sendo filho de um deputado que representava interesses conservadores ligados à escravatura, enquanto ele próprio era um defensor da abolição, adiciona outra camada de complexidade à sua persona. Isso sugere que Peixoto Filho estava em um cruzamento de diferentes eras e ideologias, tentando navegar um caminho através delas.


Sua decisão de renunciar à presidência da câmara federal sugere um grau de integridade. Tal atitude o destaca como uma figura cuja influência e legado são complexos e sujeitos a diversas interpretações, tornando-o uma personalidade fascinante para qualquer estudo do período político do Brasil em que ele viveu.